sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Uma Certa Galinha Assada, por Alvaro Jinkings


Ainda não me adaptei a internet, confesso-me um analfabeto completo, um preguiçoso talvez um “tecnófobo”!

Quando eu vi o blog do meu pai Raimundo Jinkings me veio muita história, talvez 40 anos em 1 minuto e tudo muito rápido, quase instantâneo. E somem. É como se eu fosse obrigado a fugir destes pensamentos; pra não sofrer, certamente. É o nosso incrível instinto de defesa e de sobrevivência.

Vou tentar me desbloquear, e viajar alguns momentos da minha grande e educativa convivência com “Mi Viejo”. Acho que pouquíssimas vezes me lembro dele me dizer:
- Faz assim! ou
- Não faz assim !

Ele me ensinava de outra forma, ele dava exemplo toda hora. Prestando atenção nos mínimos detalhes, eu aprenderia muito pro resto da minha vida. Eu me orgulho muito de ser filho dele: A humildade, a garra, a sabedoria, o equilíbrio, a obstinação e a determinação em lutar! Ele, pelos menos favorecido, pelos excluídos, não tinha apego ao dinheiro e nem ao poder. Inteligentíssimo, um verdadeiro autodidata, presenciei discussões homéricas dele com juizes, advogados, políticos, sindicalistas, estudantes, etc. Qualquer assunto ele dominava, menos futebol! Onde eu dava um show nele.

Nas poucas vezes em que eu não lhe entendi recorri à mamãe, a pessoa que mais o conhecia. Ela o interpretava com ternura e compreensão!

Lembro que apesar das inúmeras provocações e discriminações, nunca deixei de amar e entender “Mi viejo” como o maior de todos, o mais patriota, o mais coerente ( a cada dia que passa mais o valorizo ou seja quanto mais vivo, quanto mais conheço o mundo, mais o valorizo, e mais eu tento imitá-lo).

Hoje conto pro Yago, meu caçula as histórias do Vovô Jinkings que infelizmente ele não conheceu. Mayra e Yuri conviveram com ele por quase 10 anos, não o ideal, nem o necessário, mas o possível!

Aconteceu um fato quando eu ainda era criança que sempre me vem a cabeça. É um momento de absoluta covardia, e a mamãe me pediu para eu relatar aqui: Papai acabara de passar mais ou menos 90 dias preso na 5ª Cia de Guardas e nós (eu e mamãe) fomos até lá para trazê-lo para casa, onde meus irmãos nos aguardavam. Saíamos nós três, ele no meio de mãos dadas com mamãe e apoiando a mão no meu ombro, não chegamos a caminhar 100m quando parou um jipe do exército do nosso lado e perguntou: - Sr. Raimundo Jinkings? - Sim! Papai respondeu. – Queira me acompanhar por favor ! – Temos uma ordem de prisão! Ele, inabalável! Beijou a mamãe, me sorriu e entrou no jipe. Mamãe desabou! Era a tortura psicológica, a sacanagem, a covardia! Era a ditadura na sua face mais cruel, foram mais uns 15 dias no 26º BC [1], quando finalmente nós pudemos comer a “galinha assada” pra comemorar sua liberdade. Desta vez fomos todos buscá-los num táxi grande, um aerowillis. Talvez a mamãe pensasse em trazê-lo “na marra”, caso aparecesse outro jipe.

Depois eu conto a do porco, ou melhor: o Yago vai contar a do porco, viu vó!

ÁLVARO JINKINGS

[1] 26º Batalhão de Cavalaria
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terça-feira, 12 de agosto de 2008

Raimundo Antônio Da Costa Jinkings

Livreiro do Ano 1994. Cerimônia da entrega do título, promovida pela Câmara Brasileira do Livro - CBL.

Raimundo Antônio da Costa Jinkings nasceu no que era na época um pequeno povoado, Turimirim, distrito do município de Santa Helena, banhado pelo rio Turiaçú, no Maranhão. Teve infância pobre, trabalhou desde menino, exercitou diversos ofícios enquanto aprendia, com o pai, as primeiras letras. Mal entrava na adolescência quando, na sua avidez de saber, em meio aos pertences de seu pai, descobriu o livro do filósofo alemão Schopenhauer, “As dores do mundo”. (Estranho e inexplicável: através de que meios teria ido parar Schopenhauer naquele cantinho do mundo?)

Aquela leitura foi o prenuncio de uma vida que, toda ela, seria dedicada a lutar exatamente contra as dores do mundo, contra a injustiça, pela liberdade. Sua paixão pela liberdade o conduziu ao Socialismo. E seu coração o prendeu, aos 21 anos, a uma menina de 15, uma linda história de amor que sobreviveu a todos os golpes que a vida lhes desferiu (tantos!) durante 46 anos de absoluta cumplicidade.

Os cinco filhos que esse amor gerou cresceram felizes e formaram suas famílias.

E a grande família, hoje acrescida de quinze netos e três bisnetos, guarda um troféu que é seu tesouro: a grandeza e a dignidade que herdou com o nome, JINKINGS, sua história, seu exemplo.

Sobrevivendo às prisões e à perseguição sem tréguas, quando lhe tiraram tudo, até os direitos políticos, recomeçou do nada e, com a companheira Isa e os cinco filhinhos (Nise, Leila, Antonio, Álvaro e Ivana), em 1965 plantou a primeira semente da Livraria Jinkings, e bem a seu modo, continuou semeando a cultura e a esperança, lutando serena e corajosamente contra as dores do mundo...

Naqueles terríveis momentos, Jinkings e sua mulher também receberam a força da solidariedade, sem fronteiras, de suas famílias, de seus amigos, até mesmo dos que se encontravam fisicamente distantes.

Esse bravo, esse extraordinário guerreiro que foi vencendo, uma a uma, tantas batalhas, foi abatido pela última delas.

E então, num pedacinho de terra, ele próprio se tornou SEMENTE...

Isa

(Este texto foi postado no sítio da Livraria Jinkings. A autoria é de Isa Jinkings)

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terça-feira, 15 de julho de 2008

Mi Viejo (Piero)



Mi Viejo, de Piero

Es un buen tipo mi viejo
Que anda solo y esperando
Tiene la tristeza larga
De tanto venir andando

Yo lo miro desed lejos
Pero somos tan distintos
Es que crecio con el siglo
Con tranvia y vino tinto

Viejo mi querido viejo
Ahora ya caminas lerdo
Como perdonando el viento
Yo soy tu sangre mi viejo
Soy tu silencio y tu tiempo

El tiene los ojos buenos
Y una figura pesada
La edad se le vino encima
Sin carnaval ni comparsa

Yo tengo los anos nuevos
Y el hombre los anos viejos
El dolor lo lleva dentro
Y tiene historias sin tiempo

Viejo, mi querido viejo
Ahora ya caminas lerdo
Como perdonando el viento
Yo soy tu sangre mi viejo yo
Soy tu silencio y tu tiempo

Yo soy tu sangre mi viejo yo
Soy tu silencio y tu tiempo

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Piero nasceu na Itália e foi, ainda criança, para Argentina. É bolivariano e libertário. A música acima é de 1969. Há outras tão sensíveis e belas como essa, mas "Mi Viejo" parece ter sido feita para o papai.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

O Famigerado Comunista


 
O FAMIGERADO COMUNISTA
por Leila Jinkings


Éramos cinco, todos menores de dez anos, em 1964. Na rua onde morávamos, tinha de tudo: comunistas, fascistas, contrabandistas e sabe-se lá mais o quê. Na esquina, os filhos de um juiz xingavam quando passávamos: “Ei, filhos de comunista!”. A princípio nem sabíamos de que éramos xingados, mas logo fomos a meus pais saber o que era comunista.

 Meus pais explicaram mostrando reportagens com fotografias e entendemos que comunistas lutavam ao lado do povo, eram solidários. Era bom ser COMUNISTA.  Ficamos muito orgulhosos de sermos filhos de comunista. Papai, sempre brincalhão, sugeriu que poderíamos responder a eles dizendo que eram filhos de fascista.
 
 
À tarde saímos para a rua armados, prontos para o embate. Todas as tardes passeávamos de bicicleta ou íamos para a praça, sempre passando pelo território inimigo.


- Ei, filhos de comunista!


- Tu é que és filho de fascista! Filho de fasciiistaaaa!
 

Veio o Golpe de 1964 e papai “viajou”. Nossa rotina não mudou: escola pela manhã, trabalho escolar até 4 da tarde e depois rua, além, claro, da guerra com os reacionários (essa palavra também aprendemos com papai e mamãe).

 Havia na rua um colega nosso que brincava de bicicleta e “pega ladrão”, cujo pai era reacionário. Ele, nesse dia, chegou excitado e foi logo se dirigindo a nós. Estávamos os quatro irmãos mais velhos e dois primos de nossa idade - Huáscar e Bolívar.  Falou: “O pai de vocês, ó: (fez um quadrado com os dedos da mão, significando xadrez, cadeia) tá preso. Pegaram ele lá no Rio de Janeiro.”


Corremos para casa a perguntar a mamãe se era verdade o que havíamos escutado. Mamãe explicou que não era verdade. Aquilo eram apenas boatos que os milicos inventavam para fazer terrorismo com os familiares dos comunistas.

 Mas, no dia seguinte, o mesmo colega, apesar de ter “pegado uma carreira” dos meus primos, veio com nova história: “Olha, o pai de vocês foi assassinado, ele fugiu e levou bala lá na Cinelândia. Estava vestido de estudante.”


Fomos chorando para casa e mamãe tentou nos tranquilizar. Nas rádios e na televisão, no entanto, os repórteres davam a notícia e os mais excitados se referiam a ele como o “famigerado comunista Raimundo Jinkings”. Ela falou que ia telefonar para meu pai e que ele falaria conosco. Mais tarde ela nos avisou que papai viria nos visitar, mas em segredo, pois os milicos queriam prendê-lo porque lutava para que os pobres tivessem os mesmos direitos que nós.

 À noite, mamãe nos chamou para o quarto que ficava nos altos e dava para o quintal. Foi muito emocionante encontrar o papai, que nos aguardava. O quarto estava na penumbra, não se podia acender a luz. Talvez houvesse um abajur ou uma vela, pois podíamos enxergar muito bem o papai. E, mais importante, senti-lo. Ele nos abraçou muito, apresentou o camarada que o acompanhava e falou que estava tudo bem, mas que ele estava escondido para que os milicos não o pegassem, porque ele era amigo de Jango e dos comunistas.


Ele estava vestindo um macacão de operário, tinha os cabelos crescidos e estava barbado. Carinhosamente, nos tirou as dúvidas e fez as recomendações que qualquer pai faz, do tipo “sejam obedientes”, “ajudem sua mãe”, além das que só um pai como ele faria: falou que não precisava explicar nada para ninguém e nem deveríamos contar que ele nos visitara, para que não pressionassem a mamãe. E que o importante era que estaria sempre em contato conosco por meio da mamãe.


 Jamais esqueci esse momento. Me senti companheira e amiga do meu pai. Muito orgulhosa dele, da sua coragem e da sua generosidade.


Leila Jinkings
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segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Venderim de Livros

UM VENDERIM DE LIVROS

Paulo Nunes

Ao que parece, somos uns desconfiados. Na vida assim acontece porque as pessoas perderam a fé no outro. Daí tudo tenha que ser sacramentado em cartórios, através de testemunhas. Uma pena, pois não?!
Até a felicidade alheia parece depender da desconfiança. Até acho que a palavra poderia ser escrita diferentemente. Proponho: d,ex-confiança. Mas, vejam só, o quanto é fascinante falar sobre a palavra, já até esqueci porque estou aqui diante do papel... Ah! Sim queria falar de um homem que, para mim, representou uma época, e de quem alguns desconfiavam. Traia-se de Raimundo Jinkings. Reparem o seguinte. No nome de seu Jinkings há AR, há também MUNDO, e sem muito esforço podemos transpor o jogo de palavras à vida. Seu Jinkings desejava um mundo arejado, democrático, um mundo onde existisse a Comunhão. Seu Jinkings era vermelho de ideologia (o vermelho é uma cor caliente, apaixonante!), mas o vermelho dele se assemelhava, e muito, com todas as cores do arco-íris. E você, meu amigo que me lê, deve estar pensando: este cara está fantasiando demais o seu Raimundo. E eu te respondo: qual é o problema? Na minha cabeça humana cabem tantas impressões. E já não tenho certeza se seu Jinkings,, com o decorrer dos tempos, permanecera ainda uma pessoa ou em mito se transformara... Não fosse um mito, como ele teria resistido a tantas pressões, tantas perseguições? Um homem-pessoa resistiria assim como ele resistiu?
Lembro de seu Jinkings tão e tão maltratado pelas nuvens obscuras dos idos 60/70. E invadiam sua loja, e revistavam sua casa e prendiam-no. E logo mais seu Jinkings ali, rente que nem pão quente. Ponho-me a imaginar, ação de construir imagens no ar, como não passou baixo aquela família sentindo, minuto a minuto, tantas atrocidades. Mas é mas, e isso é que importa. Seu Raimundo sedimentou uma base sólida sobre a qual os Jinkings construíram a livraria que leva o nome da família. Hoje, com certo orgulho, nós podemos dizer, quando aí por fora nos perguntam:
Na cidade de vocês tem, ao menos, uma livrada? Eu só faço rir, com o canto da boca. Sinto vontade de responder: Temos, pelo menos, três boas cadeias de lojas de livros. Estamos isolados mas nem tanto que não possamos saber o que se tem publicado pelo mundo afora. Nosso mercado livreiro poderia ser melhor, mas não me queixo, Podemos até dizer que a fase mais recente do mercado livreiro de Belém deve muito ao sonhador-vemelho-homem chamado Raimundo. Não quero desmerecer o Neiro, o Craveiro, o Dudu. Não quero deixar de citar a livraria Dom Quixote, por exemplo. Mas seu Jinkings marcou devido sua persistência e lucidez. Sabia ele que seu projeto de uma sociedade mais igualitária perpassava por uma proposta educacional que incluísse o livro como ponte para o sonho.
Lembro bem muito bem de seu Raimundo (e me recordo, oportunamente, de Drummond: “... Mundo, mundo, vasto mundo! Se me chamasse Raimundo não seria uma rima! Seria uma solução! Mundo, mundo, vasto mundo, mais vasto é o meu coração!...”) quando a gente ainda iniciante, ia humildemente propor a compra - fiado - deste ou daquele livro. Ele tentava facilitar ao máximo nossas vidas de universitários duros. Lembro que meu primeiro dicionário Aurélio foi comprado graças à benevolência de seu Jinkings. E haja prestação e haja crediário, e os juros nem assim. Depois a livraria cresceu e o mercado tornou-se mais cruel Sempre quando falam mal de livreiros e editores, peço que façam uma reflexão, pois, neste país de fernandos, quem investe em cultura deveria ser agraciado. Cansei de ouvir dizerem coisas assim: "mas ele não é socialista? Porque o livro aumenta tanto de preço?...” Quero apenas lembrar que preço de livro não é livreiro, infelizmente, quem estabelece.
A vida é mesmo assim. Mas eu insisto, meus caros, que a Jinkings é uma livraria que, a meu ver, mantém os olhos abertos, sonhando com um público livre através do livro. Quando nos aventuramos na área da literatura infanto-juvenil, há cinco anos atrás, abrindo a Fadas & Duendes, ele despojou-se e nos apoiou integralmente? A livraria Jinkings, é claro, facilitando, ao máximo nossa atuação.
Hoje, eu resgato uma dívida não só minha, mas de diversas gerações de leitores, professores, estudantes, intelectuais, que beberam nas malhas das letras do seu Jinkings. Vou mais longe e me arrisco a dizer que uma cidade como Belém, com características de abandono social explícito, foi um lugar agraciado pela presença lúcida do seu Raimundo. Tenho certeza que ele viverá sempre entre nós, dirigindo uma velha lambreta, com os cabelos alvinhos de algodão doce e uma prateleira de livros no coração.
Quem sabe, uma horas dessas, o velho Raimundo não está tentando vender um exemplar de O Capital para São Pedro?...

Belém, Pará, 31 de outubro de 1995.


Paulo Nunes é professor da Unama e da Escola Deodoro de Mendonça. É autor, entre outros, de Banho de Chuva e leitura dos vestibulares da Unama e UEPa.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Miséria Humana, artigo do R.A. Jinkings

MISÉRIA HUMANA
Por Raimundo Jinkings


Quando passamos pelas ruas de Belém, principal­mente a João Alfredo, deparamos com um grande número de seres humanos que, certamente, já tiveram lar, já trabalharam, já produziram e já contribuíram com a parcela de seus esforços para o progresso de nossa Pátria, do nosso Estado, e para o enriquecimento de alguns privilegiados da sorte e do regime, mas que hoje estão transformados em verdadeiros farrapos humanos, jogados nas calçadas, submetidos ao sol e à chuva, sujeitos a toda sorte de misérias, comendo aquilo que o diabo enjeita, desprezados por tudo e por todos, humilhados pela própria sociedade. Esses mesmos homens que, sem dúvida, sonharam ter na velhice uma vida tranqüila, sem privações, digna dos que traba­lham e que produzem, viram seus esforços e seus ideais vencidos pela ambição insaciável dos ricos e pelo descanso dos governos. Triste realidade!
Quanto é triste e doloroso saber que dentre esses mendigos, que estão jogados ao léu, ostentando suas chagas físicas ao lado das rebrilhantes exposições de jóias, há um jovem que esteve na última guerra, lutou e sacrificou-se pela prometida liberdade e fraternidade dos povos. Esse in­feliz idealista voltou da guerra, doente, inutilizado para o resto da vida, mas cheio de esperanças, na certeza de que havia contribuído para a conquista do mundo com que so­nhara. Ao regressar, não desejava mais do que a Paz para o mundo e o necessário para sua subsistência. Entretanto tudo lhe foi negado. Os homens, que lhe prometeram vida melhor, esqueceram-se do compromisso, e estão agora gozando as delícias das fortunas conseguidas à custa da miséria do Povo durante a guerra, desse mesmo Povo de quem foram exigidos o sangue, o trabalho e o sacrifício, pa­ra defesa da Paz e da Democracia, dessa Paz e dessa Democracia que ainda não conhecemos.
Não poderá haver Democracia e nem poderá haver Paz enquanto assistirmos a cenas dolorosas como essas, e enquanto não acabarmos com os privilégios vergonhosos dessa estranha fauna dos capitalistas. O que precisamos é de justiça, mas a justiça só é perfeita, só é justiça de verdade quando é feita igualmente para todos, sem distinção condições sociais, de raças ou de cor. São do grande Simon Bolívar estas significativas palavras: "Conservai intacta a lei das leis: a igualdade. Sem ela perecem todas as liberdades, todos os direitos". Quão verdadeiras são essas palavras que, lendo-as, acreditamos com toda a sinceridade que um dia haveremos de dar ao nosso Povo aquilo que não nos é possível dar-lhe no regime capitalista: a igualdade econômica e social. No próprio Estados Unidos, o país capitalista mais rico do mundo, existe a fome e a miséria, consoante apuração feita em 1939, dos 30 milhões de famílias norte-americanas 8 milhões morreriam de fome se o governo não as socorresse, e 11 milhões lutariam contra a miséria. Referindo-se a essa estatística, o líder nacional do Partido Socialista, o eminente Dr. João Mangabeira, com precisão: “Tudo isso demonstra que ainda no país mais rico do mundo, o regime capitalista não pode resolver o problema da fome e da miséria".
O problema da pauperização em nosso Estado do governo imediatas providências medidas concretas benefício do Povo, com o objetivo de acabar com essa si­tuação difícil e desmoralizante.
Nem a mais santa das intenções resolve em contrário.
Lembrem-se de Fauchet na convenção da grande Revolu­ção Francesa:
"Considerando que a igualdade não deve ser uma miragem enganadora que todos os cidadãos inferiores, velhos órfãos indigentes, sejam albergados, vestidos e alimenta­dos à custa dos ricos; os sinais da miséria sejam destruí­dos, a mendicidade e a ociosidade sejam proscritas; que se dê trabalho a todos os cidadãos válidos".
Que adiantou? Nada. A questão, evidentemente, não é de sonhar. Ou o governo se mexe, ou o Povo virá a fazê-lo por suas próprias mãos inevitavelmente, de modo violen­to.
Há o caminho da construção socialista, pacífica, e há o caminho que garante sucessos, como os acontecimentos do Rio Grande do Sul estão a indicar. Escolha o governo a solução enquanto ainda lhe resta um pouquinho de tempo.

Folha, 10/08/1952
(Reproduzido no livro Entre as Letras e as Baionetas, de Jocelyn Brasil, pp. 179 a 181).

domingo, 11 de novembro de 2007

Camuflagem

Kung Fu Lounge
Friday, November 19, 2004

O filho do rato
Alejandro Jodorowsky é o cara. Eu tinha uns nove anos quando meu pai me levou à livraria Jinkings e disse para eu escolher o que quisesse. Fui direto à sessão de quadrinhos.

Em plena Ditadura, o velho Jinkings contrabandeava livros de esquerda em meio a caixas de insuspeitos quadrinhos europeus publicados em Portugal. O cara tinha as manhas. Enfiava traduções em espanhol e português de livros do Marx, Engels, Trostky e Mao no meio de álbuns de gente como Moebius, Druillet, Phillipe Caza, Enki Bilal, Quino, Palomo, Plantu e outros grandes nomes das HQs do Velho Mundo.
Meu pai comprava os Marx e companhia. Eu ficava com os quadrinhos. Coisa que, aliás, fez eu desenvolver um dialeto meio esquisito com o passar do tempo de tanto ler histórias naquele português estranho. Foi numa dessas idas à livraria do Jinkings que peguei para folhear um álbum de capa amarela: O Incal Negro - Uma Aventura de John Difool. Não fazia idéia do que era um Incal, mas o livro vinha com o nome de Moebius na capa, que eu curtia das séries Tenente Blueberry e A Garagem Hermética. Foi o suficiente para levá-lo para a casa. E junto com Moebius acabei levando também Alejandro Jodorowsky. As coisas nunca mais foram as mesmas. Mesmo para uma criança habituada às maluquices da turma da Metal Hurlant Jodorowsky era um pouco demais para mim com sua visão cínica e absurda do mundo. Tudo o que fez com Moebius na série do Incal ficou na minha cabeça, da mesma forma que, anos mais tarde, ficariam Thomas Pynchon, Alan Moore, Frank Zappa e Phillip K. Dick. Revendo El Topo essa semana, deu para entender porque esse foi o filme que levou os irmãos Cohen a se meter com cinema e fez com que John Lennon e Yoko Ono inaugurassem uma sessão da meia-noite em Nova York só para exibi-lo.

Em homenagem ao cara, republico aqui uma entrevista que fiz com ele em 2000. Kung Fu Lounge

- posted by Vladimir Cunha @ 8:45 PM

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Lauande homenageia Jinkings

13 de Dezembro de 2006
AI-5: de sorumbática memória

Sempre que chega 13 de dezembro eu lembro do meu amigo e camarada Raimundo Jinkings. Não tem jeito, sempre lembro dele!!! Hoje é um dia que a liberdade perdeu vez nesse país quando da edição do Ato Institucional Nº 5 foi consumada pelos militares em 1968. e todo ano eu escrevo sobre AI-5 pra mostrar minha indignação contra as facetas autoritárias no mundo da política.

Sempre digo que a liberdade é o bem mais precioso que o ser humano almeja. Por isso a humanidade, ao longo dos séculos, tem lutado continuamente no sentido de garantir esse direito a todos. Um marco desses avanços ocorreu com as revoluções americana e francesa, que levantaram a bandeira dos direitos humanos e a autonomia dos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Essa evolução se dá entre avanços e recuos por conta de períodos ditatoriais vivenciados pelas nações. Em nosso país, uma noite de trevas se abateu a partir de 13 de dezembro de 1968, quando, com a edição do Ato Institucional nº 5 (AI-5), todas as garantias do cidadão foram suprimidas. Trinta e cinco anos depois nós precisamos recordar esses acontecimentos para que nunca mais a ditadura prevaleça.

O Brasil passou por dois períodos ditatoriais no século 20: no Estado Novo (1937-1945) e no regime militar (1964-1985). Neste último período alguns fundamentos democráticos foram preservados em seu início e no final. No entanto, entre dezembro de 1968 e dezembro de 1978, época em que vigorou o AI-5, vivemos sob a lei do arbítrio. Coincidentemente, nesses dez anos, foi registrado o maior número de execuções sumárias e de desaparecimentos de políticos em toda a nossa história.

Em 1968, o mundo viveu como nunca uma efervescência política e cultural que abalou as instituições vigentes. No Brasil, isso também se materializou com protestos estudantis, greves operárias, rebeldia parlamentar contra a ditadura e um maior envolvimento da Igreja Católica nas questões sociais. A resposta dos militares foi o recrudescimento da repressão, que culminou na decretação do AI-5 pelo presidente da época, o general Costa e Silva.

Por força desse decreto, foram fechados o Congresso Nacional e as Assembléias Legislativas Estaduais; cassados mandatos de parlamentares; suspensos os direitos políticos de oposicionistas; juízes e funcionários públicos foram demitidos ou aposentados compulsoriamente e suspenso o habeas corpus. Paralelamente, nos porões do regime intensificaram-se a tortura, os assassinatos e outros desmandos. Muitos de nossos maiores pesquisadores e professores universitários tiveram de partir para o exílio. Nossos dois últimos presidentes da República foram vítimas dessas arbitrariedades.

Nesse período, a população não podia votar em presidente, governador, prefeitos das capitais e de cidades consideradas de segurança nacional. A censura à imprensa e aos espetáculos culturais impedia que qualquer fato considerado "indesejável" aos governantes fosse divulgado. Chegou-se ao absurdo de impedir que fosse noticiada a existência de uma epidemia de meningite em São Paulo. Nem mesmo os religiosos foram poupados. Padres e freiras foram presos e torturados. Alguns deles, estrangeiros, acabaram deportados. Estudantes eram expulsos das faculdades sob qualquer acusação.

Até hoje as chagas desse período tenebroso afetam as próprias vítimas ou seus familiares. Felizmente, graças à mobilização popular, principalmente na campanha Diretas Já, a plena democracia voltou a brilhar em nosso país a partir de 1985 e se consolidou em 1988 com a promulgação de uma nova Constituição, que garante em seu artigo 5º "a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade".

Como amigo do Jinkings e militante comunista, luto com milhares democratas constantemente para garantir o respeito às opiniões contrárias e fortalecimento da democracia, o melhor regime entre todos. Que atitudes de prepotência e práticas ditatoriais fiquem apenas nos livros de história e nunca mais se repitam em nossa terra.

E muitas saudades do meu amigo e camarada Jinkings!!!
Aquele abraço,
Lauande.

Blog do Lauande
Perfil do Lauande segundo ele mesmo:
41, casado, sociólogo, professor, comunista, produtor rural e bicolor.
Faleceu em 28 de julho de 2007.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Jinkings por Isa

Raimundo Antônio da Costa Jinkings nasceu, em 05 de setembro de 1927, no que era na época um pequeno povoado, Curumim distrito do município de Santa Helena, banhado pelo rio Turiaçu, no Maranhão. Teve infância pobre, trabalhou desde menino, aprendeu diversos ofícios enquanto aprendia, com o pai, as primeiras letras. Mal entrava na adolescência quando, na sua avidez de saber, em meio aos pertences de seu pai, descobriu e leu o livro do filósofo alemão Schopenhauer, “As dores do mundo”. Estranho e inexplicável: através de que meios teria ido parar Schopenhauer naquele cantinho do mundo?.

Aquela leitura foi o prenúncio de um vida que, toda ela, seria dedicada a lutar exatamente contra as dores do mundo, contra a injustiça, pela liberdade. Sua paixão pela liberdade o conduziu ao Socialismo. E seu coração o prendeu, aos 21 anos, a uma menina de 15, uma linda história de amor que sobreviveu a todos os golpes que a vida lhes desferiu (tantos!) durante 46 anos de absoluta cumplicidade.

Os cinco filhos que esse amor gerou cresceram, felizes, e formaram suas famílias. E a grande família , hoje acrescida de quatorze netos e um bisneto, guarda um troféu que é seu tesouro; a grandeza e a dignidade que herdou com o nome, JINKINGS, sua história, seu exemplo.

Sobrevivendo às prisões e à perseguição sem tréguas, quando lhe tiraram tudo, até os direitos políticos, recomeçou do nada e, com a companheira Isa e os cinco filhinhos Nise, Leila, Toninho, Álvaro e Ivana, em 1965 plantou a primeira semente da Livraria Jinkings, e bem a seu modo continuou semeando a cultura e a esperança, lutando serena e corajosamente contra as dores do mundo... naqueles terríveis momentos, Jinkings e sua mulher também receberam a força da solidariedade, sem fronteiras, de suas duas famílias, de seus amigos, até mesmo dos que se encontravam fisicamente distantes.

Esse bravo, esse extraordinário guerreiro que foi vencendo, uma a uma, tantas batalhas, foi cruelmente abatido pela última delas.

E então, num pedacinho de terra, ele próprio se tornou SEMENTE...


Esse texto foi postado por Isa Jinkings no sítio da Livraria Jinkings.

domingo, 4 de novembro de 2007

Velhos Camaradas

Jinkings um exemplo de paraense
por Pedro Ayres

Há gente que permanece viva, pela memória e pelo simples fato de que durante toda vida construiu a verdadeira imortalidade. A da obra realizada, a do afeto, a do companheirismo, pelo profundo amor às coisas da nossa terra e do país. Tudo isto e mais um pouco definem a vida de Raimundo Antonio da Costa Jinkings, amigo e companheiro de velhas batalhas.
Conheci o Jinkings no Partidão, em que ambos militávamos. Ele, voltado para a organização sindical e trabalhadora. Eu, junto com Chico Costa, seu irmão Raimundo, Nelito e outros tentávamos dar forma e conteúdo ao Partido no movimento universitário. Desse modo, como tínhamos a visão de unir todos os movimentos num só organismo, com vistas a um futuro mais democrático e participativo para as amplas massas do país, conseguimos construir algo que era sonhado por todos os grupos de esquerda do país, mas que nunca saía do papel, uma efetiva e real Frente Operária-Estudantil-Camponesa.
Naquele período Belém sofria com constantes falta de eletricidade. Era um problema da capital e do Estado, tanto que candeeiros e lamparinas faziam parte dos utensílios de qualquer casa. Se havia alguma diferença social entre esses úteis objetos, ela ficava adstrita aos materiais de feitura, aos desenhos e aos tamanhos. Uns lembravam a Belle Époque, outros, mais modernos, traziam a marca do ecletismo e do neoclássico. Enfim, com estilo ou sem estilo a falta de luz a todos atingia.
O Governador do Estado, Aurélio do Carmo, era um democrata convicto, tanto que a despeito das tendências atrabiliárias e de direita do corpo policial paraense, conseguia garantir que os movimentos populares tivessem seu curso. A luta nacionalista se acirrava no país todo. Nós, pressionados pela carência energética, defendíamos a solução por meio de pequenas hidrelétricas distribuídas regionalmente. Grupos do governos estadual e federal queriam termelétricas, fornecidas pela ITT, a famosa Bond and Share.
Humberto "Vovô" Lopes, Jocelyn Brasil, Serrão, Bené Monteiro e Jinkings eram a base de nosso comando partidário, sendo que ao Raimundo, por sua inconteste liderança sindical, coube a tarefa de coordenar a área operária e camponesa. Como a correlação de forças políticas era bem desfavorável às nossas teses, escolhemos fazer uma greve para pressionar. Tudo correu bem, tanto que até tivemos uma reunião pública com o Governador Aurélio do Carmo, que nos assegurou que iria estudar a nossa proposta. Uma proposta respaldada em estudos do economista Moacyr Paixão. Porém, no frigir dos ovos, com o advento da "redentora", tudo foi feito como queriam as multinacionais.
Esse ineditismo de movimento e de sucesso, pois, bem ou mal, tínhamos realizado o que desejávamos, mais tarde veio a se voltar contra todos nós. Não porque pudéssemos ou tivéssemos condições de outras grandes atividades, mas, pelo medo que causou na direita golpista do Pará e da região. Ficamos tão envolvidos com a sensação de vitória que a Campanha da Legalidade de Brizola criou que nem nos apercebemos do inimigo ao nosso lado. Um inimigo que até posava de nacionalista.
Certo dia, ínicio de 62, Belém é sacudida com a notícia de que agentes do DOPS tinham invadido o Sindicato dos Petroleiros e descoberto um formidável plano para criar núcleos guerrilheiros no Pará e na região. Como sabíamos da íntima ligação entre o serviço secreto do exército e o DOPS pensávamos que era mais uma espécie de atualização de cadastro. Uma atualização muito livre e aberta, em que gregos, troianos e até espartanos entravam na lista. Com a publicação do "dossier", um documento que nunca fez justiça ao talento ficcional de seu autor, mais voltado para terras encharcadas, descobrimos que os objetivos eram: imobilizar, atemorizar e desmobilizar a todos nós, além, é claro, de fazer média com os agentes da CIA que já andavam por lá às mancheias.
O principal alvo era o Partidão e suas lideranças mais jovens, como o Jinkings, Bené Monteiro e alguns outros. Segundo o coronel Jefferson Cardim, na época chefe do Estado-Maior da 8ª Região Militar, tudo tinha sido elaborado por um major da Segunda Secção, que trabalhava a paisano numa estatal. Processos foram abertos, entretanto, não posso dizer se houve ou não inquéritos legais, pois, nunca soube de ninguém que tenha sido ouvido. Mas, também, pouco importava, o Golpe veio logo em seguida e os nossos pesadelos se tornaram realidade.
Foi a partir de 1962, quando fui enviado para o Rio, que perdi o contato com Jinkings, só sabia dele por intermédio do Jocelyn ou do Humberto. Entretanto, na década de 1970, tornou-se o representante, correspondente e distribuidor do jornal "Crítica", do qual era comentarista de política internacional e assim, mesmo indiretamente voltamos a nos encontrar.
Este Blog embora honra e homenageie o Raimundo Antonio da Costa Jinkings, também rende homenagem a figuras como Serrão de Castro, Levy Hall de Moura, Acácio e Jocelyn Brasil. A todos a minha homenagem, o meu sincero agradecimento pelas lições e pela amizade que desfrutei.

Blog do Pedro Ayres
Sexta-feira, 2 de Novembro de 2007