Isa, minha querida,
Somente eu posso avaliar, em todas as proporções, o teu desejo, o teu empenho e, sobretudo, a tua grande preocupação em saber as minhas primeiras notícias. Sei que muito andaste. Creio que imploraste desesperadamente. Mas o teu esforço, a tua dedicação de esposa e mãe carinhosa e a tua sempre solidariedade humana foram recompensados. Sabes onde estou. Sabes que estou vivo. E mais do que tudo isso, sabes que continuo tranqüilo, aguardando serenamente o pronunciamento da justiça do meu País. A vida é isso mesmo. A história não segue uma linha reta. Ela é feita de avanços e recuos. A minha profunda fé nos destinos da Pátria conduziu-nos a essa separação momentânea. Nunca aceitei a tese de que tudo no Brasil estava perdido. Que a época era do salve-se quem puder. Quis dar a minha contribuição. Não fiquei indiferente às grandes lutas do povo. Não poderei, portanto, por um simples incidente na vida, descrer do futuro glorioso de minha Pátria. Reexamino todas as minhas posições e não encontro razões ponderáveis para renegá-las. Continuo o mesmo homem, com o mesmo sentimento patriótico. Sei que outro não é o teu pensamento, pois os teus princípios cristãos, que sempre respeitei e admirei, são bem diferentes dos "daquela gente que nos olha de cima para baixo, vai à missa ou se ajoelha nos templos, veste a opa nas procissões ou beija as mãos dos Ministros do Senhor, brilha nas devoções ou priva com o clero. Pessoas que enchem de fel a vida do próximo, acusam de iniqüidades os pequenos, e espremem até o sangue o coração dos seus semelhantes,” Esse tipo de cristãos que Ruy Barbosa brilhantemente retratou é o que, infelizmente, ainda atua no Brasil de forma cínica e descarada. Os jornais diariamente refletem o caráter desse tipo de gente.
Pois bem, querida Isa, sem que algum dia ou minuto sequer eu tenha fugido de minhas responsabilidades junto a nossa família, sou obrigado a reconhecer que hoje tens dupla responsabilidade. Junto aos nossos queridinhos filhos respondes por mim e por ti. Sei bem que estás moral e intelectualmente à altura de assumi-la, quanto a isso não tenho a menor dúvida, não me preocupo. Temo, porém, que devido ao esforço despendido, a fadiga a que estás sendo levada, venhas a adoecer. Aí, então seria um desastre. Nessas condições, podes dedicar todos os dias da semana exclusivamente aos nossos filhinhos, deixando para mim apenas um. Contento-me com isso, meu bem, em benefício de tua saúde e do conforto das crianças. Semanalmente preciso apenas de um pijama, algumas cuecas e uma toalha, de vez que passo os dias inteiros de pijama. Não há condições para viver de outra forma. Quanto a jornais do Rio, dou preferência ao Correio da Manhã, cuja posição está maravilhosa. Na sua falta, a Última Hora.
Já li todo o livro que mandaste. Escolheste o livro apropriado para a época, o melhor e mais importante. Verifico agora a falta que estão fazendo um Ruy e um Mangabeira*. O Ruy foi um monstro na luta pelas liberdades contra a opressão dos potentados. Acertaste, portanto, em cheio, dando uma inequívoca prova de tua inteligência.
Amanhã cedo, quando acordares, lembra que a minha falta em casa é involuntária. Mas desde hoje recebe os beijos que tanto mereces como mãe e esposa, pela data. Simbolizas o que de mais puro existe entre as mães. Abraça por mim também a dona Laura e a Helena. Todos, enfim.
Beijos e muitos abraços do teu marido saudoso Antônio.
Somente eu posso avaliar, em todas as proporções, o teu desejo, o teu empenho e, sobretudo, a tua grande preocupação em saber as minhas primeiras notícias. Sei que muito andaste. Creio que imploraste desesperadamente. Mas o teu esforço, a tua dedicação de esposa e mãe carinhosa e a tua sempre solidariedade humana foram recompensados. Sabes onde estou. Sabes que estou vivo. E mais do que tudo isso, sabes que continuo tranqüilo, aguardando serenamente o pronunciamento da justiça do meu País. A vida é isso mesmo. A história não segue uma linha reta. Ela é feita de avanços e recuos. A minha profunda fé nos destinos da Pátria conduziu-nos a essa separação momentânea. Nunca aceitei a tese de que tudo no Brasil estava perdido. Que a época era do salve-se quem puder. Quis dar a minha contribuição. Não fiquei indiferente às grandes lutas do povo. Não poderei, portanto, por um simples incidente na vida, descrer do futuro glorioso de minha Pátria. Reexamino todas as minhas posições e não encontro razões ponderáveis para renegá-las. Continuo o mesmo homem, com o mesmo sentimento patriótico. Sei que outro não é o teu pensamento, pois os teus princípios cristãos, que sempre respeitei e admirei, são bem diferentes dos "daquela gente que nos olha de cima para baixo, vai à missa ou se ajoelha nos templos, veste a opa nas procissões ou beija as mãos dos Ministros do Senhor, brilha nas devoções ou priva com o clero. Pessoas que enchem de fel a vida do próximo, acusam de iniqüidades os pequenos, e espremem até o sangue o coração dos seus semelhantes,” Esse tipo de cristãos que Ruy Barbosa brilhantemente retratou é o que, infelizmente, ainda atua no Brasil de forma cínica e descarada. Os jornais diariamente refletem o caráter desse tipo de gente.
Pois bem, querida Isa, sem que algum dia ou minuto sequer eu tenha fugido de minhas responsabilidades junto a nossa família, sou obrigado a reconhecer que hoje tens dupla responsabilidade. Junto aos nossos queridinhos filhos respondes por mim e por ti. Sei bem que estás moral e intelectualmente à altura de assumi-la, quanto a isso não tenho a menor dúvida, não me preocupo. Temo, porém, que devido ao esforço despendido, a fadiga a que estás sendo levada, venhas a adoecer. Aí, então seria um desastre. Nessas condições, podes dedicar todos os dias da semana exclusivamente aos nossos filhinhos, deixando para mim apenas um. Contento-me com isso, meu bem, em benefício de tua saúde e do conforto das crianças. Semanalmente preciso apenas de um pijama, algumas cuecas e uma toalha, de vez que passo os dias inteiros de pijama. Não há condições para viver de outra forma. Quanto a jornais do Rio, dou preferência ao Correio da Manhã, cuja posição está maravilhosa. Na sua falta, a Última Hora.
Já li todo o livro que mandaste. Escolheste o livro apropriado para a época, o melhor e mais importante. Verifico agora a falta que estão fazendo um Ruy e um Mangabeira*. O Ruy foi um monstro na luta pelas liberdades contra a opressão dos potentados. Acertaste, portanto, em cheio, dando uma inequívoca prova de tua inteligência.
Amanhã cedo, quando acordares, lembra que a minha falta em casa é involuntária. Mas desde hoje recebe os beijos que tanto mereces como mãe e esposa, pela data. Simbolizas o que de mais puro existe entre as mães. Abraça por mim também a dona Laura e a Helena. Todos, enfim.
Beijos e muitos abraços do teu marido saudoso Antônio.
O Dia das Mães foi tão emocionante, ainda mais porque logo cedo os meus lindos filhinhos vieram me entregar um vaso lindo, comprado com o dinheiro que o seu papai, (que extrema delicadeza!) tinha dado à Nise pra comprar o presente do dia das mães, isso no dia 29 de abril, quando saía pra se apresentar e assinar o ponto no Basa, sabendo que de lá iria para a prisão...
Isa
(*) João Mangabeira foi Presidente Nacional do PSB.
2 comentários:
Já faz algum tempo. Passou muito rápido, de 1994 para cá. Mas aquilo que escrevemos como prefácio para o livro do Jocelyn, sustentamos até hoje com muito orgulho. Também com emoção depois de vê-lo publicado no Blog do Jinkings.Vivemos atualmente num estágio político um tanto estranho, no qual quem elegemos ainda não fez o que sonhamos, proporcionando, assim, aos velhos e conhecidos inimigos da Democracia a utilização de velhas armas do passado, principalmente através de uma imprensa comprometida com o capitalismo norte americano no que de pior e mais nocivo ele possa ofertar ao País. Ler e ouvir que somos representantes de uma velha ideologia, já totalmente carcumida, e que eles, os inimigos, representam a modernidade e o futuro, dói e irrita. Em especial por sabermos o que está atrás de seus discursos ensaiados. Sinto falta de conversas com Jinkings, Ruy Barata e David Miguel nestas horas.Muito tempo já passou, mas a tal modernidade sempre esteve junto com eles.
EDGAR AUGUSTO.
mãezinha, tenho cópia da maior parte dessas cartas. são todas lindas, quero que sejam, um dia, parte do livro do papai que a boitempo vai editar. elas são comoventes, mostram a doçura dele, a precupação contigo e com os filhos, e tua imensa dedicação e amor. são uma lição de vida.
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