segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Venderim de Livros

UM VENDERIM DE LIVROS

Paulo Nunes

Ao que parece, somos uns desconfiados. Na vida assim acontece porque as pessoas perderam a fé no outro. Daí tudo tenha que ser sacramentado em cartórios, através de testemunhas. Uma pena, pois não?!
Até a felicidade alheia parece depender da desconfiança. Até acho que a palavra poderia ser escrita diferentemente. Proponho: d,ex-confiança. Mas, vejam só, o quanto é fascinante falar sobre a palavra, já até esqueci porque estou aqui diante do papel... Ah! Sim queria falar de um homem que, para mim, representou uma época, e de quem alguns desconfiavam. Traia-se de Raimundo Jinkings. Reparem o seguinte. No nome de seu Jinkings há AR, há também MUNDO, e sem muito esforço podemos transpor o jogo de palavras à vida. Seu Jinkings desejava um mundo arejado, democrático, um mundo onde existisse a Comunhão. Seu Jinkings era vermelho de ideologia (o vermelho é uma cor caliente, apaixonante!), mas o vermelho dele se assemelhava, e muito, com todas as cores do arco-íris. E você, meu amigo que me lê, deve estar pensando: este cara está fantasiando demais o seu Raimundo. E eu te respondo: qual é o problema? Na minha cabeça humana cabem tantas impressões. E já não tenho certeza se seu Jinkings,, com o decorrer dos tempos, permanecera ainda uma pessoa ou em mito se transformara... Não fosse um mito, como ele teria resistido a tantas pressões, tantas perseguições? Um homem-pessoa resistiria assim como ele resistiu?
Lembro de seu Jinkings tão e tão maltratado pelas nuvens obscuras dos idos 60/70. E invadiam sua loja, e revistavam sua casa e prendiam-no. E logo mais seu Jinkings ali, rente que nem pão quente. Ponho-me a imaginar, ação de construir imagens no ar, como não passou baixo aquela família sentindo, minuto a minuto, tantas atrocidades. Mas é mas, e isso é que importa. Seu Raimundo sedimentou uma base sólida sobre a qual os Jinkings construíram a livraria que leva o nome da família. Hoje, com certo orgulho, nós podemos dizer, quando aí por fora nos perguntam:
Na cidade de vocês tem, ao menos, uma livrada? Eu só faço rir, com o canto da boca. Sinto vontade de responder: Temos, pelo menos, três boas cadeias de lojas de livros. Estamos isolados mas nem tanto que não possamos saber o que se tem publicado pelo mundo afora. Nosso mercado livreiro poderia ser melhor, mas não me queixo, Podemos até dizer que a fase mais recente do mercado livreiro de Belém deve muito ao sonhador-vemelho-homem chamado Raimundo. Não quero desmerecer o Neiro, o Craveiro, o Dudu. Não quero deixar de citar a livraria Dom Quixote, por exemplo. Mas seu Jinkings marcou devido sua persistência e lucidez. Sabia ele que seu projeto de uma sociedade mais igualitária perpassava por uma proposta educacional que incluísse o livro como ponte para o sonho.
Lembro bem muito bem de seu Raimundo (e me recordo, oportunamente, de Drummond: “... Mundo, mundo, vasto mundo! Se me chamasse Raimundo não seria uma rima! Seria uma solução! Mundo, mundo, vasto mundo, mais vasto é o meu coração!...”) quando a gente ainda iniciante, ia humildemente propor a compra - fiado - deste ou daquele livro. Ele tentava facilitar ao máximo nossas vidas de universitários duros. Lembro que meu primeiro dicionário Aurélio foi comprado graças à benevolência de seu Jinkings. E haja prestação e haja crediário, e os juros nem assim. Depois a livraria cresceu e o mercado tornou-se mais cruel Sempre quando falam mal de livreiros e editores, peço que façam uma reflexão, pois, neste país de fernandos, quem investe em cultura deveria ser agraciado. Cansei de ouvir dizerem coisas assim: "mas ele não é socialista? Porque o livro aumenta tanto de preço?...” Quero apenas lembrar que preço de livro não é livreiro, infelizmente, quem estabelece.
A vida é mesmo assim. Mas eu insisto, meus caros, que a Jinkings é uma livraria que, a meu ver, mantém os olhos abertos, sonhando com um público livre através do livro. Quando nos aventuramos na área da literatura infanto-juvenil, há cinco anos atrás, abrindo a Fadas & Duendes, ele despojou-se e nos apoiou integralmente? A livraria Jinkings, é claro, facilitando, ao máximo nossa atuação.
Hoje, eu resgato uma dívida não só minha, mas de diversas gerações de leitores, professores, estudantes, intelectuais, que beberam nas malhas das letras do seu Jinkings. Vou mais longe e me arrisco a dizer que uma cidade como Belém, com características de abandono social explícito, foi um lugar agraciado pela presença lúcida do seu Raimundo. Tenho certeza que ele viverá sempre entre nós, dirigindo uma velha lambreta, com os cabelos alvinhos de algodão doce e uma prateleira de livros no coração.
Quem sabe, uma horas dessas, o velho Raimundo não está tentando vender um exemplar de O Capital para São Pedro?...

Belém, Pará, 31 de outubro de 1995.


Paulo Nunes é professor da Unama e da Escola Deodoro de Mendonça. É autor, entre outros, de Banho de Chuva e leitura dos vestibulares da Unama e UEPa.

2 comentários:

morenocris disse...

Feliz Natal e 2008 maravilhoso!

Beijos.

LABORATORIO DE DEMOCRACIA URBANA “Cidade Velha-Cidade Viva” disse...

Segue uma entrevista interessante;
http://www.ufpa.br/portalufpa/docs/entrevistacomgovernadordeposto.pdf